Após ofender estudante, moradora do centro da cidade terá de pagar R$ 12 mil a ele

Nelson Bortolin

Uma moradora de condomínio da Rua Borba Gato, no centro de Londrina, foi condenada a indenizar seu vizinho em R$ 12 mil por homofobia. A vítima é o estudante de engenharia de produção Victor Hugo Viana Melo, 28 anos.

O fato ocorreu em novembro de 2020. Hoje o jovem não mora mais no local, mas da nova casa ainda consegue enxergar a piscina onde tudo aconteceu (ver foto em destaque). Ele conta que estava com o namorado Mateus e o amigo Gabriel na piscina do prédio. O namorado o ensinava a boiar e mantinha uma mão em sua barriga e outra nas costas. A moradora, que estava bebendo fora da piscina, se queixou. “Ela começou a gritar que não aceitava demonstração de afeto na piscina”, conta o jovem.

Victor Hugo conhecia a ex-vizinha porque ela sempre pedia favores a ele como ajudá-la a carregar compras ou orientá-la a utilizar aparelhos eletroeletrônicos e de informática.

Exaltada, a moradora passou a falar em nome do condomínio, mesmo sem ter cargo para isso. O vice-síndico era um dos que se encontravam na piscina e não interferiu. “Ela passou a me ofender com palavras homofóbicas. Aí, eu falei: espera aí, como assim o condomínio não permite demonstração de afeto? Não estou entendendo isso.”

Houve uma breve discussão entre eles e cada um foi para sua casa. Victor Hugo conta que ficou muito mal. “Eu, quando criança, sofria muito bullying na escola pelo fato de ser do jeito que sou. Sempre fui muito reprimido. Eu venho de uma família evangélica e meus pais falavam para eu me comportar como homem”, conta.

Nas palavras do jovem, a discussão com a ex-vizinha o levou de “volta para aquele lugar”. “E todo aquele sentimento que eu sentia lá atrás voltou ainda mais forte.”.

TIRANDO A LIMPO

O jovem morava junto com outro amigo João, que era dono do apartamento. “Quando o João chegou, ele me encontrou chorando e quis saber o que tinha acontecido. Eu contei e ele resolveu ir tirar satisfação com a mulher. Fomos nós dois ao apartamento dela. Na hora, eu tive a ideia de gravar a conversa.”

A transcrição do diálogo entre os três está no processo (ver quadro). No áudio, a moradora admite que a “demonstração de afeto” a que ela se referia era o fato de o namorado ensinar Victor Hugo a boiar.

Mas, meses depois, quando foi citada da ação, a ex-vizinha apresentou contestação dizendo que ele, o namorado e o amigo teriam “trocado carícias calorosas e inapropriadas para local de uso coletivo e, por haver crianças” por perto, “pediu respeitosamente que cessassem tais comportamentos”.

Negou também ter ofendido o estudante em razão da orientação sexual dele.

A mulher ainda pediu à Justiça que o jovem fosse condenado por litigância de má-fe e requereu ser indenizada no valor dos gastos que teve com advogado. Mas ela não conseguiu comprovar o que disse nesta contestação. Já Victor Hugo conseguiu provar a ofensa por meio da gravação.

PALAVRAS DO JUIZ

Segundo o juiz Marcos Caires Luz, na audiência de instrução e julgamento, a ex-vizinha voltou atrás. Ela reconheceu que Mateus tocou Victor Hugo nas costas e na barriga sem citar “trocas de carícias calorosas e inadequadas’. E reclamou que os jovens se chamavam de “amor”.

Ela confirmou que não presenciou “lascividade no ato em si”, mas receio quanto ao que poderia vir depois.

Em sua decisão, o juiz citou o óbvio: ensinar a boiar não é “ato determinante para que seja causado constrangimento aos demais frequentadores do ambiente público…”

Afirmou também que o vice-síndico era o pai das duas crianças presentes no local e não reclamou do comportamento do casal de namorados

Caires Luz destacou ainda que o atual momento é de “afirmação de liberdades e reconhecimento de direitos fundamentais de todos os indivíduos, com aceitação e convivência de pessoas diferentes, sendo todos, ainda assim, portadores de igual dignidade.”

“A ré, ao desrespeitar um dos princípios basilares da Carta Magna, adentrou na esfera de direitos do autor, que integra traço inerente, essencial à personalidade de cada ser humano, discriminando-lhe direta ou indiretamente, além de causar-lhe sentimento de vergonha”, escreveu o juiz.

Ao saber da decisão, Victor Hugo disse estar com a sensação de que a justiça foi feita. “Eu não processei por questão financeira, não foi por isso. Foi pelo constrangimento que ela me fez passar e pelo que a comunidade LGBT passa todos os dias.”

Vítimas têm dificuldade de produzir provas de homofobia

O advogado de Victor Hugo, Rafael Colli, do escritório Carneiro, Vicente & Colli – Advocacia Humanista, de Londrina, conta que essa é sua primeira ação por homofobia. “Infelizmente, essas situações normalmente não são testemunhadas ou, então, a pessoa ofendida, por estar abalada, acaba não registrando ou gravando o que ocorreu, o que dificulta a comprovação e, assim, a própria ação”, justifica.

O advogado Rafael Colli, que também move processo para obrigar plano de saúde a pagar cirurgia de resignação de sexo para pessoa trans

Além da ação civil, ele também move uma ação criminal por homofobia contra a ex-vizinha de Victor Hugo. Esse processo ainda está em fase de inquérito. E, caso condenada, ela pode ser presa. A pena para o crime, segundo o advogado, parte de um ano e vai até três anos. E, pelo caso ter ocorrido em área de lazer do condomínio, pode ter aumento de um terço à metade. Ou seja, em tese, ela pode ficar presa de 1 ano a 3 meses até 4 anos e 6 meses.

Colli ressalta que, se a ofensa for de alguma forma comprovável, a pessoa deve procurar um advogado ou uma advogada para orientá-la. “Foi o que aconteceu neste caso. Fizemos uma representação criminal pois ofender ou tentar discriminar alguém por sua orientação sexual é crime de racismo homotransfóbico.”

Segundo o advogado, a ex-vizinhta tentou impedir que o jovem “expressasse seu amor ao seu namorado, basicamente tentou impedir que ele amasse, somente porque é gay”.

Ele considera a decisão do juiz muito importante. “Principalmente em tempos como estes, que alguns representantes do povo tentam tirar direitos adquiridos pela população LGBT com muita luta, inclusive dentro dos tribunais.”

Colli ressalta que o limite da expressão do amor é sempre o bom senso, e vale para todo mundo independentemente da orientação sexual. “O próprio Juiz reconheceu que havia outras pessoas no local e ninguém se incomodou com o nosso cliente e seu namorado, somente a ofensora, o que comprova que ela estava discriminando eles, porque do contrário, se eles estivessem fazendo algo errado, outras pessoas também ficariam incomodadas.”

CLIENTES TRANS

Colli tem outras ações ligadas às causas LGBTQIA+. Uma delas obriga a Unimed a arcar com a cirurgia de redesignação sexual de um cliente e outra que visa indenização contra a Caixa por não alterar o cadastro de cliente trans após a retificação do documento dessa pessoa.

A Lume faz jornalismo independente em Londrina e precisa do seu apoio. Curta, compartilhe nosso conteúdo e, quando sobrar uma graninha, fortaleça nossa caminhada pelo PIX (Chave CNPJ: 31.330.750/0001-55). Se preferir contribuir com um valor mensal, participe da nossa campanha no Apoia-se https://apoia.se/lume-se.

 

 

Homofobia

Deixe uma resposta

%d