Luiz Antônio do Prado Ronqui, de 17 anos, foi morto pela PM em Cambará junto com Reginaldo de Souza Filho, 21 anos
Nelson Bortolin
Era madrugada do dia 15 de outubro. Um policial militar da Rotam, que deixava seu plantão na cidade de Bandeirantes (96 km de Londrina), pegou sua moto e começou a viagem de volta para Jacarezinho, onde mora. Por volta das 4h30, ao chegar à antiga praça de pedágio, entre Cambará e Andirá, se surpreendeu com um carro Parati verde atravessado na pista. Três homens armados deram voz de assalto a ele, que reagiu atirando 25 vezes. Ninguém foi atingido. Os assaltantes fugiram, dois a pé e um pilotando o veículo.
O PM voltou ao batalhão e pediu reforço para perseguir os três homens. Dois deles foram encontrados numa mata e, após reagirem armados, foram alvejados pelos policiais. Ambos morreram: o adolescente Luiz Antônio do Prado Ronqui, de 17 anos, e Reginaldo de Souza Filho, 21 anos, conhecido como “Menor”.
Esta é a história oficial, registrada no boletim de ocorrência.
Mas a família de Luiz Antônio não acredita no relato feito pelos PMs na Delegacia de Polícia de Cambará. Para os familiares, os jovens foram torturados e executados pela polícia.

A mãe de Luiz Antônio, a funcionária pública de Cambará Rosangela Prado Ronqui conta que o pai do adolescente está preso em Londrina. É acusado de integrar o Primeiro Comando da Capital (PCC). E, por causa disso, seus filhos seriam perseguidos pelos policiais.
Rosângela reclama que o filho foi “massacrado” e não teve sequer o direito de ser velado com caixão aberto. Foto que circulou nas redes sociais mostra o cadáver totalmente desfigurado.
Ela não acredita que Luiz Antônio tenha de fato participado do assalto, mas admite que o jovem estava andando com “pessoas erradas”. Diz que o filho era um jovem obeso e cardíaco. “O que eu sei é que meu filho saiu do baile do Havaí e estava comendo numa lanchonete perto de casa com uns colegas. Depois, eles resolveram ir a uma festa em Bandeirantes”, explica.
De acordo com ela, ao todo cinco jovens estavam no carro.
Rosângela afirma que sua filha, que é estudante de direito, também é perseguida por causa dos crimes praticados pelo pai. “Qualquer coisa que acontece na cidade, dizem que foram meus filhos que fizeram”.
A jovem também está presa por porte de maconha. Segundo a mãe, a droga foi encontrada durante batida da polícia numa república de estudantes que ela frequentava. “Pegaram uma quantidade de zero, vírgula zero (gramas) na casa dos estudantes que ela estava, coisa de estudante, mas só prenderam ela.”
A funcionária pública diz que, quando prendeu sua filha, a polícia teria dito que também preparava um “presente” para Luiz Antônio. “Meu filho foi morto e velado num caixão lacrado. E quem deveria estar preso está solto na rua”, diz ela, se referindo a outro jovem que estava junto com os dois mortos naquela madrugada.
PERSEGUIÇÃO
Depois de fugir com Menor, quando o dia já amanhecia, Luiz Antônio enviou dois vídeos à avó paterna dizendo que estava escondido e pedindo ajuda porque estaria com medo da polícia.
A avó foi até a casa dele, quando teria sido abordada pela PM. “Os policiais encontraram ela no portão da casa e tomaram o celular. Foi assim que eles descobriram a localização exata deles”, conta Elisângela Ronqui, tia de Luiz Antônio.
Depois disso, junto com o advogado Jordão Antônio de Rezende, que tem escritório em Bandeirantes, a família foi até o local onde estava sendo feita a perseguição. “Chegamos lá e os policiais disseram que não tinham encontrado os meninos ainda”, conta o advogado.
Um helicóptero sobrevoava a área, mas foi embora minutos depois. “Tentei convencer os policiais a deixarem eu e a família entrarmos para convencer os jovens a se entregarem. Mas eles não deixaram”, alega Rezende.
A família desconfia que, naquele momento, os dois jovens já estavam mortos e os policiais estariam realizando uma operação para alterar a cena do crime.
Os familiares também acham que os jovens foram torturados antes de morrer. Na foto do cadáver de Luiz Antônio, além das marcas de tiros, há uma série de lesões semelhantes a queimaduras e parte da pele do tórax parece ter sido arrancada.
“Essas queimaduras que aparecem na foto não constam do laudo do IML (Instituto Médico Legal)”, ressalta Rezende. Ele vai requerer as fotos feitas pela perícia e também pretende procurar a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para pedir providências.
A tia Elisângela diz o mesmo: “Por causa do pai, descontam nos filhos? Isso não é justo”, declara. Para ela, o sobrinho não teria coragem de enfrentar a polícia. “Uma pessoa que estava pedindo ajuda, com medo da polícia? Não faz sentido. Eles foram torturados. A gente sabe que estavam fazendo coisa errada, mas tinham direito de defesa, de ir presos”, alega.
TIROTEIO
Segundo o boletim de ocorrência, nove policiais participaram da abordagem aos jovens, sendo que quatro atiraram respectivamente 35, 5, 6 e 3 vezes, num total de 49 disparos.
O laudo do IML mostra que foram encontrados quatro projéteis no cadáver de Luiz Antônio: no abdome, cintura, na parte direita do tórax e na bacia esquerda.
E mais cinco feridas de entrada de projéteis: na parte direita das costas, uma na parte direita e outra na parte esquerda do tórax, uma no lado direito e uma no lado esquerdo do abdome.
Também aponta duas feridas de saída, uma na parte superior do abdome esquerdo e outra no lado esquerdo das costas. E por último um tiro de raspão na parte direita do tórax.
A Polícia Civil de Cambará informou que abriu um inquérito para investigar o caso e que aguarda o envio do inquérito militar aberto pela PM toda vez que pessoas são mortas por integrantes da corporação.
A Rede Lume também tenta ouvir a Polícia Militar, mas ainda não teve retorno.
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