Indenizações, nas poucas vezes em que são determinadas pela Justiça, têm valores muito baixos; advogado apresentou levantamento em Londrina
Nelson Bortolin
Vale a pena ser uma empresa racista no Brasil. Uma pesquisa feita pelo historiador e advogado Jonas Sales Fernandes da Silva (foto em destaque nesta página), de Brasília, não deixa dúvida sobre essa afirmação. Ele foi o palestrante do 5º Simpósio da Comissão de Igualdade Racional e Minorias, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção de Londrina, realizado nesta segunda-feira (20), Dia da Consciência Negra, na sede da entidade.
O advogado, que é diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), pesquisou 533 processos judiciais que pleitearam danos morais por racismo nas relações de consumo no País e concluiu que, em apenas 20 deles, ou 3,7%, o juiz ou a juíza viram racismo nos atos denunciados. Os valores das indenizações variaram de R$ 5 a R$ 35 mil, sendo a média de R$ 12.900;
“Compensa ser uma empresa racista. É muito mais barato pagar essas ações que investir para treinar seguranças e outros funcionários em letramento racial, em direitos humanos. É muito mais barato que ensinar técnicas de abordagem. Sai mais em conta deixar a coisa correr”, disse ele em entrevista à Rede Lume de Jornalistas.
De acordo com o advogado, a postura do Judiciário, ao determinar valores tão baixos, é de quem incentiva as empresas a continuarem sendo racistas.
Entre as indenizações mais baratas (R$ 5 mil), está uma atribuída a uma das maiores redes de supermercados do Paraná. O caso ocorreu no estacionamento de uma loja de Arapongas, no qual uma consumidora negra foi exposta a situação vexatória por um segurança.

A indenização mais alta (de R$ 35 mil) foi dada por uma juíza leiga, do juizado especial de Mossoró, no Rio Grande do Norte a outra empresa racista. Em maio e 2021, acompanhado de um colega de trabalho, o autor da ação foi até loja fazer compras. Na hora de pagar, foi surpreendido por um segurança do supermercado, na frente de outros clientes e funcionários, que o acusou de ter participado de um roubo de uma moto minutos antes, portando arma de fogo.
O cliente só foi liberado após a polícia ser chamada e constatar que a pessoa não havia praticado crime algum.
Os supermercados são os estabelecimentos onde mais há casos de racismo relacionado ao consumo. “A pessoa preta anda pelos corredores para conferir os produtos e colocá-los no carrinho e percebe a presença de um segurança que a segue o tempo todo. Esse segurança a persegue até o caixa como que para conferir se a pessoa vai pagar”, afirma.
Não raro, depois do caixa, o segurança pede para olhar a sacola da pessoa e conferir a nota fiscal. “Qualquer pessoa preta é ensinada pelos pais a andar sempre com a nota fiscal na mão”, ressalta o advogado.
Também não é raro o segurança perguntar em voz alta para o caixa se a compra foi paga. “Se dá algum problema com o cartão, como acontece com qualquer ser humano, pelo fato de ser preto, o segurança chamará logo reforço, pois pela cor, somado ao fato de o cartão não ter sido aprovado, a pessoa se torna altamente perigosa para o estabelecimento”, alega.
CASO FORD
Durante a palestra, o advogado comparou as ações de indenização por danos morais que ele analisou com o caso dos veículos Ford Pinto, populares nos Estados Unidos em 1970. O carro trazia o tanque de combustível na traseira o que provocava acidentes graves nas colisões. “Mais de 500 pessoas morreram quando seus automóveis Pinto pegaram fogo e muitas mais sofreram sérias queimaduras.”
Segundo o advogado, quando uma das vítimas processou a Ford, soube-se que a engenharia da empresa sabia dos riscos, mas fez um cálculo de custo/benefício. Gastar 11 dólares por carro para fazer um recall e adaptar o tanque de combustível sairia mais caro que as indenizações por morte e ferimentos.
AÇÃO CRIMINAL
Jonas Silva explica que, ao ser vítima de racismo num estabelecimento comercial, a pessoa deve entrar com duas ações: uma penal e outra com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que não prevê especificamente racismo, mas discriminação. Ele analisou apenas as do segundo caso, que é a sua especialidade.
Em Brasília, o advogado luta para que seja incluído do CDC o instituto do dano social. “Quando uma mesma empresa responde por vários processos de racismo nas relações de consumo, ela precisa ser penalizada conforme o faturamento dela. Só assim ela vai repensar sua atitude.”
Ele também defende que seja combatido o “lucro por ódio”. E cita um caso envolvendo racismo numa famosa marca de roupas. “Nas redes sociais, quando você faz um post elogiando alguém, ele tem pouca repercussão. Mas se a empresa é envolvida num escândalo como o de racismo, muitas vezes, ao invés de perder, ela acaba ganhando.”
A empresa a qual ele se refere ganhou 200 mil seguidores do dia para a noite devido ao escândalo. “Seguidores significa publicidade, publicidade significa dinheiro”, destaca.
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