Advogado classifica pedidos de intervenção militar por manifestantes bolsonaristas como “cloroquinização” do direito constitucional
Cecília França
Protestos de bolsonaristas contra o resultado das eleições presidenciais ocorrem em vários pontos do País desde segunda-feira, logo após o segundo turno que deu a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na manhã de hoje (2), apoiadores do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), se reuniram no Tiro de Guerra em Londrina para pedir intervenção militar contra a implantação de um suposto comunismo com base no Artigo 142 da Constituição.
As manifestações seguem nas estradas. Acontece que o referido artigo não prevê um poder moderador das Forças Armadas, impedindo qualquer ação no sentido de reverter o resultado soberano das urnas.
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
O advogado Arthur Strozzi, integrante da Comissão de Direito Eleitoral e Político da OAB/Londrina e OAB/Paraná explica que o artigo prevê três destinações bem específicas para as Forças Armadas e “Em nenhum momento fala para nós de um poder moderador, isso não existe, sob nenhuma hipótese”.
“Essa unidade da Constituição funciona de uma forma muito simples. O art. 142 diz a que essas Forças Armadas se destinam e o dispositivo trata da exceção na missão delas. Elas podem ser usadas também na segurança pública, mas nada mais do que isso. Utilizar as Forças Armadas como uma tentativa de revisitar o resultado proveniente do último domingo é uma tentativa de golpe de Estado, uma tentativa da implementação de um estado de exceção”, explica Strozzi.
O advogado lembra que os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, respectivamente, já reconheceram o resultado das eleições resultantes da soberania popular. Conforme anunciado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a transição começa amanhã com a equipe indicada pelo eleito.


‘Cloroquinização’ do direito constitucional
“Eu sempre gosto de retomar lá no Art. 1 da Constituição, que fala para nós que a República Federativa do Brasil constitui-se em um estado democrático de direito. E nesse mesmo dispositivo, no parágrafo único, fala que todo poder emana do povo. Então a gente precisa resgatar, na realidade, o seguinte: se todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, garantir a lei e a ordem é a garantir a respeitabilidade do resultado proveniente do último domingo.”
Arthur Strozzi classifica a tentativa de releitura da Constituição para incitar o uso das Forças Armadas como a “cloroquinização” do direito constitucional, numa referência ao medicamento “vendido” por negacionistas como cura para a covid-19.
“Em nenhum momento no texto do art. 142 nós temos a permissão de uma intervenção militar. Por qual razão o constituinte diria que todo poder emana do povo, com todas as garantias de sufrágio, e de repente diria ‘mas as Forças Armadas podem intervir também a qualquer momento como um espécie de poder moderador?’”, questiona.
Manifestações atentam contra Estado Democrático
A Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Paraná (OAB/Paraná) emitiu nota nesta quarta-feira em que classifica as manifestações contra o resultado das eleições como “atentatórias ao Estado Democrático de Direito e à Constituição Federal, pois desrespeitam a soberania do próprio povo que escolheu livremente o próximo Presidente da República por meio do seu direito ao voto, instrumento inegociável em uma Democracia.”
A entidade segue dizendo que “Atitudes antidemocráticas são indefensáveis, uma vez que representam retrocesso, causam prejuízo à nação.” e “Não representam a maioria da vontade do povo brasileiro”.
Diz ainda que os protestos devem ser enfrentados “de todas as formas legítimas, por todas as Instituições da República.”



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