Ao comemorar o dia das mães, quero expressar o meu amor, reconhecimento e gratidão à minha mãe Helida.

Nossa mãe nos acolhe em seu útero. É nossa primeira casa, primeira conexão com o mundo. Faz a mediação para tudo aquilo que seremos e viveremos.

Sabemos que um dos maiores traumas existenciais é a perda do pai (ou da mãe) na mais tenra idade. Mesmo com toda dor pela morte do meu pai, minha mãe seguiu em frente de forma criativa e amorosa. Criou uma rede de apoio que nos ensinou que o luto se supera enchendo a vida de sentido.

Com três filhos (6, 4 e 2 anos) para educar, deu-nos a liberdade para crescer rodeados de primos. E naquela época não havia celular.

Morávamos em Cachoeiro de Itapemirim (ES). Eu passava o dia na escola da minha família. Brincávamos de: casinha e cozinhado com os primos; de pique esconde; pique alto; pique escalada. Subíamos em árvores; jogávamos baldes de folhas em quem passava na rua; apertávamos campainha dos vizinhos; pegávamos carona nas carroças para brincar com as primas do outro lado do rio.

Nos finais de semana, minha mãe reunia as crianças e apresentava pequenas peças teatrais com nossa participação. Também nos levava ao Clube Jaraguá para um mergulho na piscina e outras brincadeiras. Momentos inesquecíveis de relaxamento, diversão e lazer.

Cresci com a casa lotada de jovens, pois minha mãe canalizou a sua energia para o CAC (Comunidade de Amizade Cristã).

Ela organizava passeios, excursões, piqueniques, almoços comunitários, campanhas do agasalho, visita às obras sociais, festas juninas e o famoso vôlei aos domingos, que reunia mais de 30 jovens no terreno de nossa casa.

Mamãe também dirigiu duas peças teatrais: “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto, e “A Bruxinha que era boa” de Maria Clara Machado.

Os ensaios eram lá em casa. A alegria dos jovens atores, a cultura, a música e a arte estavam presentes em nosso cotidiano.

Mamãe ensinou, com o seu exemplo, que quando o amor familiar se fecha em quatro paredes, ele murcha e deixa de cumprir a sua missão.  

Minha mãe plantou a semente que me levou a escolher o Serviço Social. Profissão que me tornou uma pessoa plena, feliz e realizada!

Passávamos as férias de julho no Rio de Janeiro e ela nos levava ao teatro para assistirmos peças infantis de Maria Clara Machado. Criou, desde a adolescência, um forte vínculo nosso com o teatro.

Fomos educados com muita simplicidade e despojamento, fazíamos piqueniques maravilhosos em todos os passeios turísticos do Rio: Corcovado, Pão de Açúcar, Jardim Botânico, praias de Copacabana e Ipanema, entre outros. Lembranças que ficam para sempre.

Nas férias em Guarapari, quando fiz 16 anos e comecei a frequentar as boates, ela me acompanhava. Não só a mim, dirigia uma Kombi e levava comigo mais de dez jovens. Várias amigas (minhas e de minha irmã) relatam que só podiam ir à boate porque minha mãe levava.

Mamãe não dançava, ficava sentada observando, curtindo a música e a alegria dos jovens. Uma vez ela foi chamada para dançar e como não aceitou, o rapaz disse que se ela dançasse com alguém, ele quebraria a boate. Claro que fomos embora apavorados. Mas nada aconteceu e ela continuou nos acompanhando.

Minha mãe deu amor, raízes e asas para voar. Permitiu e estimulou para que fizéssemos intercâmbio nos Estados Unidos. Experiência que refletiu positivamente em nosso desenvolvimento e amadurecimento.

Ela deu total apoio para que saíssemos de casa e viéssemos estudar em Vitória (ES).

E todo ano, no dia do meu aniversário, ela vinha de Cachoeiro para Vitória com um bolo e uma torta salgada, para que eu pudesse comemorar com as amigas do curso de Serviço Social. Momento marcante e significativo.

Sei que a minha militância social e política, em plena ditadura militar, fez com que ela ficasse preocupada e apreensiva, mas nunca interferiu ou questionou as minhas escolhas. Respeitou minha trajetória de vida. E por isso, sou muito grata.

Quando eu fiquei grávida de Stefano, foi uma experiência única, em que pela primeira vez compreendi o amor de mãe. Tive que ser mãe para entender o amor incondicional que minha mãe sentia por nós.   

Quando a mulher carrega um pequeno ser em seu ventre, ela se torna uma pessoa de luz. Tem uma aura especial que irradia amor, esperança, alegria e certezas.

Na minha gravidez, eu saia com aquele barrigão exuberante, dizendo através do meu andar e do meu olhar que carregava o dom mais importante que Deus me concedeu: gerar uma vida.

Quando vieram os netos, minha mãe se transformou em uma criança que sentava no chão para brincar e contar histórias. Uma avó alegre, animada e amorosa. Dava liberdade total para o neto e as três netas. Permitia que a criatividade das crianças brotasse ilimitadamente.

Acolheu não só os quatro netos, mas os seus amigos. Levávamos a criançada para o teatro, cinema, clubes, praias e sítios. Guarapari, cidade de veraneio, parecia a Disney de tão intensos os passeios.

Praia de manhã, à tarde e à noite; parque aquático, futebol de sabão; passeios de lancha; de banana; banho de piscina; jogos na cobertura, entre tantas outras coisas que, tenho certeza, marcaram lindamente a infância de seus netos.

Quando o neto e as netas saíram de casa para estudar fora, ela acolheu com alegria. Vibrou com essa nova etapa na vida deles.

Teria muito mais a escrever, mas se vocês me perguntarem: de tudo que sua mãe transmitiu, o que você considera mais significativo? Eu diria que o dom da fé. Ela ensinou-me a orar e interceder por sua descendência. Ensinou-me a entregar, confiar e descansar nas mãos do Deus.

A semente do amor, da honestidade, da postura ética, do respeito às diferenças e aos diferentes é plantada na mais tenra idade.

A criança aprende e assimila gestos e comportamentos a partir de posturas, crenças e valores que são transmitidos por aqueles que a amam. Gratidão, mamãe. Gratidão a todas as mães. Vocês fazem a diferença no mundo.

*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021) e “Legados: Crônicas sobre a vida em qualquer tempo (2022)

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3 respostas para “Falar do amor de mãe significa voltar no tempo”

  1. Avatar de Maria Celeste Lima de Barros Faria
    Maria Celeste Lima de Barros Faria

    Que as mães fazem toda a diferença no mundo é algo que já sabemos, no entanto, algumas mães fazem ainda mais diferença que outras. É o caso de Helida, mãe da nossa querida escritora Beatriz Herkenhoff, dedicando grande parte de sua vida a acolher e “adotar” tantos filhos quantos se aproximassem do alcance de sua energia e seu dom em lidar com jovens!
    A responsabilidade de todos esses filhos, os seus o os que “adotou”, é muito grande, ter tido a oportunidade de desfrutar da inteligência, estética artística, cultural e religiosa dessa grande mulher, lhes dá o dever de levar às próximas gerações, transmitindo preciosidades colhidas, cultivadas e frutitificadas ao longo dessa linda história!!

  2. Avatar de MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF
    MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF

    Gratidão Celeste por palavras tão potentes e emocionantes sobre a história de vida da minha mãe. Você foi perfeita quando afirmou: que mamãe acolheu e adotou tantos filhos quantos se aproximassem de sua energia. E é verdade, ela fez a diferença não só em nossas vidas como filhos, mas na vida de todos que passaram pelo grupo de jovens que ela coordenava. Estando dando continuidade ao legado que ela nos deixa de agregar, congregar, incluir, criar, diversificar, valorizar a cultura, a arte, a convivência fraterna e a solidariedade. E também cultivar a semente de fé que ela plantou em nós

  3. Avatar de THAIS CALIXTO DOS SANTOS
    THAIS CALIXTO DOS SANTOS

    Que texto lindo, forte e cheio de vida!! Amei conhecer um pouco mais de sua mãe, de vc e sua família nessas palavras tão doces e memoráveis! Vc também seguiu este exemplo e hj é uma mãe amorosa, e ainda tem a generosidade de estender seu carinho e afeto a tantas outras pessoas como eu. Um grande beijo Thais Calixto

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