A vida nos oferece experiências alegres, doces, amorosas, esperançosas, mas também amargas, tristes e decepcionantes. 

Em nossa passagem por esse mundo sentimos medo, raiva, angústia, desânimo, indignação. Magoamos e somos magoados; perdoamos e pedimos perdão; ficamos ressentidos e remoemos lembranças negativas. Nada é linear!

Juntamos os cacos, espalhamos sementes do bem viver, colhemos flores e recomeçamos sempre. 

A cada recomeço, carregamos na bagagem perdas e ganhos! Uma maturidade e determinação forjada pelos obstáculos vencidos. Uma certeza de que damos conta de levantar após cada queda.

Como é restaurador quando esquecemos um pouco dos nossos problemas e nos colocamos em sintonia com o universo, com o nosso planeta terra que precisa de cuidados para sua sobrevivência. 

Somos marcados por adversidades, rupturas com quem amamos, mortes, desemprego, fome, preconceito, abandono, rejeição, abusos físicos e psíquicos, guerras, conflitos sociais e políticos, risco de perdermos a liberdade, ameaças à nossa cultura, ciência e democracia.

Somos marcados também por conquistas, talentos que nascem e nos surpreendem, alegrias com novos amigos, formação de redes de afetos que nos amparam, vivências de solidariedade, experiências amorosas inesquecíveis.

É fantástica a experiência de agradecer permanentemente por pequenos e grandes encontros. Tantas coisas bonitas acontecem e passam despercebidas aos nossos olhos.

Não temos o controle de nada, não sabemos o tempo da nossa existência, nem daqueles que amamos. 

Perdi pai, tio, primos na infância e adolescência. Mortes repentinas e inesperadas, sem tempo para a despedida, sem tempo para chorar, para expressar o amor, o prazer e o significado da convivência. 

Tive que viver o luto em várias etapas de minha vida, aprender a lidar com as consequências psíquicas e emocionais geradas pela ausência daqueles que amo. Buscar terapia para não sucumbir.

Tenho certeza que ao me ler, você também está revivendo suas próprias perdas. O grande desafio é desapegar do que doeu e encontrar um novo sentido para os acontecimentos. 

Ressignificar os desejos e projetos, canalizar a energia para continuar os sonhos daqueles que não estão mais aqui e correr atrás dos nossos próprios sonhos.

Não abrir mão dos nossos desejos, acreditar em nossa potência transformadora.

Meu amigo Alcir Santos sempre afirma que sou movida pelo otimismo. Ele pergunta: “você nunca desanima?” E eu respondo: “muitas vezes sinto-me tomada por sentimentos de tristeza, de cansaço diante de uma doença, de uma decepção, de uma perda”.

Vivo a impotência por não saber como ajudar um amigo que está sofrendo. Mas sempre tenho um olhar de esperança.

Muitas vezes olhamos mais para as perdas do que para os ganhos. Ficamos mais apegadas aos obstáculos do que às bençãos. Reclamamos mais do que agradecemos.

Que novos olhares posso construir sobre a minha vida? Como substituir a lente que está presa ao negativo? 

Expressar a vulnerabilidade nos fortalece. A fé nos sustenta na caminhada.

Fiquei deprimida quando perdi três bebês em abortos espontâneos. A presença e o apoio da família e dos amigos que me tiraram do buraco. 

Após perdas tão dilacerantes, três casais amigos, Ana e Dante, Inês e Augusto, Eulene e Colombo, sempre estavam nos esperando, com um abraço aconchegante e carinhoso. Deram colo, ombro para chorar, consolo, escuta e amor.

A presença de Renato, da minha mãe, dos meus irmãos, de minha tia/madrinha e de primos também foi fundamental para que eu voltasse a sonhar.

Quero agradecer esse gesto porque foi um divisor de águas no rumo de minha vida. Pensei que fosse o fim e era apenas um lindo recomeço.

Esses mesmos casais encheram minha casa de flores e de alegria quando Stefano nasceu. Nossos filhos cresceram juntos. A força do amor predominou e venceu o individualismo, a solidão, a depressão, a autopiedade e a vitimização. 

Por que insisto nesse tema? Porque sei que pessoas vivem situações semelhantes e ficam paralisadas, apegadas ao luto e à perda.

Volto também porque tudo que passei é nada diante de pessoas que vivem a experiência da fome e da pobreza desde a mais tenra idade. Vivem a perseguição, o preconceito e a morte precoce por questões de gênero, de cor e de etnia. 

Pessoas que cresceram em meio à guerra em seus países. Tiveram que se refugiar e foram recebidos como bandidos em países que deveriam abriga-los e dar suporte para recomeçarem com dignidade.

Sinto-me privilegiada financeira e afetivamente. Mas, também sou privilegiada porque não me fechei em meu eu. 

Percebi que eu só estou bem se os outros estiverem bem também – Ubuntu.

Enxerguei além do meu próprio umbigo. Fui ao encontro dos empobrecidos, dos desvalidos, dos considerados loucos, dos dependentes químicos, dos desempregados, dos mal remunerados e explorados em sua força de trabalho, dos que não tinham teto, nem direito à saúde e à educação. 

Identifiquei-me com suas dores, com suas perdas, com sua potência de vida e capacidade de dar a volta por cima e vencer. Aprendi com a forma como lutam e valorizam cada conquista. Como são solidários com aqueles que estão em situação semelhante. 

Aprendi

Na convivência com as crianças e adolescentes nos Abrigos de Vitória. Senti a dor de cada criança que ficou órfã de pais vivos. Fui solidária, acolhi, brinquei, criei, envolvi voluntários e capacitei educadoras. 

Percebi que a minha dor era nada diante do abandono vivido por elas.

Aprendi

Com as pessoas que trabalharam em minha residência. Aprendi com sua resiliência, capacidade de amar e servir, com sua garra e determinação priorizando os estudos de seus filhos. Gratidão a Ângela, Marli, Rose, Zilma, Maurícia, Geni e Vanilce por tanto amor e sabedoria. Gratidão, também, à Penha, zeladora do meu prédio.

Aprendi com amigas e amigos que

Acolheram com amor, respeito e admiração seus filhos e filhas com orientações homoafetivas. 

Tiveram filhos com Síndrome de Edwards e Síndrome de Down e colocaram suas vidas à serviço dessas causas. 

Tiveram seus filhos sequestrados pela ditadura militar na Argentina e nunca perderam a esperança. 

Como é a sua experiência diante das adversidades que a vida apresenta? 

*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021) e “Legados: Crônicas sobre a vida em qualquer tempo (2022)

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8 respostas para “O sentido da nossa existência”

  1. Estou emicionada, com a grandeza da superação, com a grandeza do aprendizado,com a capacidade de amar incondicional.

  2. Avatar de MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF
    MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF

    E eu emocionada com a grandeza do seu feedback Mércia. Estamos juntas nesse processo de crescimento e aprendizado

  3. Avatar de Rosini Helena Gurgel
    Rosini Helena Gurgel

    Beatriz querida , como as experiencias de vida se cruzam e como relatos como esse fortalecem nossa caminhada e nos dão esperança e confiança em um amanha melhor, afinal de contas nossa busca pela felicidade sempre prevalece! Gratidão sempre !!

  4. Avatar de MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF
    MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF

    Que lindo Rosini! Que possamos caminhar sempre com esperança e confiança em dias melhores. Que possamos contribuir efetivamente para um mundo mais justo e humano.

  5. Desta vez Bia, nos traz , a partir de sua história de vida, uma espécie de receita do como viver e sair inteiro, apesar dos muitos percalços pelos quais passamos. Pois bem, vejam só a simplicidade e excelência da lição: a todo momento estamos sujeitos a perdas que nos maltratam. Mas se olharmos para os lados veremos, fatalmente, pessoas em situação muito melhor; entretanto, olhando para o outro lado, observaremos que estamos muito bem. Portanto, nunca estaremos em situação tão ruim que nos impeça de estender a mão ao outro, ao que está em situação pior. Bela lição!

  6. Avatar de MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF
    MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF

    Gratidão Alcir pelos seus diálogos sempre ricos com as minhas crônicas. Você reflete sobre a essência da mensagem: Aprendemos com as dores e com as perdas. Ao invés de ficarmos apegados ao luto, temos potência para nos colocar a serviço daqueles que sofrem mais do que nós. Vamos fortalecer as redes de afeto?

  7. Quando olhamos para traz, enxergamos o nosso ponto de partida, sabemos o caminho que percorremos, mas quando olhamos pra frente o máximo que vemos são conjecturas,projetos e sonhos e é justamente isso que nos impulsiona e nos encoraja a lutar, porque não podemos mudar o passado, mas podemos lutar por um futuro melhor.
    Um abraço minha amiga.

  8. Quando olhamos para traz, enxergamos o nosso ponto de partida, sabemos o caminho que percorremos, mas quando olhamos pra frente o máximo que vemos são conjecturas,projetos e sonhos e é justamente isso que nos impulsiona e nos encoraja a lutar, porque não podemos mudar o passado, mas podemos lutar por um futuro melhor.
    Um abraço minha amiga.

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