Na útima quarta-feira, 23 de outubro, Régis Moreira foi um dos participantes de uma roda de conversa promovida pela Alumni UEL sobre a importância da Parada LGBTQIAPN+ para Londrina. A conversa também reuniu a empresária Soraya Vansan, a advogada Fabíola Matozzo e o presidente da ONG Docê, Guilherme Pinho.
Por Régis Moreira*
Vou dividir minha reflexão em três eixos, para melhor compreensão dos argumentos:
1 – No campo do direito: O direito à manifestação. O direito à ocupação dos espaços públicos. O direito à cidadania. O direito às políticas de aparição.
2- No campo da economia: O pink Money, como é conhecido o dinheiro das pessoas LGBTQIPN+ e os investimentos no comércio local, na rede de hotelaria, restaurantes, casas noturnas, bares, lojas e na economia dos ambulantes e expositores do próprio evento.
3 – No campo estético: Lembrando que no interior da palavra estética, encontra-se a ética – EST-ÉTICA. É ética. Comprendendo aqui a estética como ética dos modos de viver em sociedade e o respeito às diferenças que precisamos ter para que possamos promover a paz.
Pode uma cidade ter uma est-ética purista e valorar somente certas questões a partir de dogmas religiosos e morais?
Qual a est-ética pretendida por uma cidade quando proíbe ou dificulta a realização de um evento sobre a diversidade?

Eixo 1: Direito
O direito à expressão é uma garantia pela constituição federal de 1988, nossa carta magna, que rege nosso país.
A Constituição Federal de 1988, artigo 5º, parágrafo IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Esse é o artigo que, para muitas pessoas, resume o direito à liberdade de expressão.
Depois, no seu Art. 220, a Constituição brasileira nos diz: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
O artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Mas vale aqui questionar o que consideramos humanos quando falamos em direitos humanos?
O que é ser humano ou não, quando falamos em humanos direitos?
O próprio conceito de humano é um conceito colonizador, que nos separa dos outros seres vivos, como os rios, as árvores, ar, outros animais. Os povos originários os consideram todos os seres parentes. E o conceito de humano é extrativista e nos leva ao caos, esse caos civilizatório em que estamos, com a destruição da própria natureza, do planeta, com a destruição das florestas, rios, matança de animais, sem conseguirmos respirar ou no caos sanitário em que todo o mundo – todo o mundo – foi obrigado a se isolar por causa de um vírus que colocou a vida dos humanos em risco. O coronavírus e a pandemia de Covid-19 é uma manifestação deste caminho destrutivo e uma resposta da natureza para nos mostrar nossa fragilidade enquanto humanos.
Mas voltando aqui pra nossa reflexão, mesmo dentro desta lógica de humanidade, quem são os considerados humanos, os mais ou menos humanos, os desumanos….
De quais humanos falamos quando falamos em direitos humanos?
Qual o valor do valor da vida?

Toda vida é precária, uma vez que todos somos matáveis, porém, a distribuição de precariedade é desigual. Algumas vidas são mais matáveis que outras, numa sociedade que normaliza que travestis e mulheres transexuais morram aos 35 anos, Se forem brancas e aos 28 anos, se forem negras.
Quem será escolhido para respirar no tratamento agudo da COVID-19. Quem pode respirar nas abordagens policiais?5 Quem pode viver e quem deve morrer?
Quais as precariedades, as políticas públicas relativas à educação, trabalho, alimentação, saúde, e estatuto jurídico, são desenvolvidas para equidade e igualdade sociais? Quais são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público? Quais são as vidas dignas de luto, no pais que mais mata, que mais mata pessoas LGBT no mundo. Que mais mata pessoas trans no mundo. Um dos que mais mata mulheres por feminicídio, no mundo. Um dos países que mais matam indígenas e jovens negros periféricos?
Ao longo dos séculos foram forjados padrões do que seria um corpo normal, aceitável, e os corpos que ficam fora desse “padrão” são considerados corpos anormais, e certos corpos são invisibilizados em suas singularidades e diferenças porque produzem desconfortos.
Um corpo com potência de agir e potência de vida se expressa pelos afetos de que é capaz, é um corpo ético-estético-político e não um corpo moral na perspectiva encarceradora, prescritiva e julgadora, que desdenha, segrega, amedronta, agride, humilha, despreza, mata, que categoriza tais corpos como não válidos, sem direito à existência.
Os corpos negligenciados pelo poder público hegemônico, higienista, fascista, destituidor de direitos, massacrador de sonhos e novos possíveis. Esses corpos abjetos tem cor, raça e gênero.
Contra esse massacre sistêmico, é preciso insurgir para sobreviver. Ou desobedecemos a produção de morte, fabulando futuros possíveis e lutando por direitos, ou sucumbimos, morremos.
Então qualquer tentativa de negar o direito a manifestação para protestar contra genocídios e negações de direitos. Qualquer tentativa de criar obstáculos contra celebrações das existências em suas formas diversas. Qualquer tentativa de proibição destes manifestos é uma forma de negação de produção de vidas possíveis e vivíveis, em seus direitos e dignidade. É matar sonhos, fabulações, frestas e territórios onde essas vidas possam vingar, possam viscejar. Qualquer tentativa de impedimento que a diversidade plural das vidas tenham dignidade, é uma forma de compactuar com uma sociedade excludente, doente, perversa e criminosa, mesmo que essas proibições/impedimentos/dificultações venham mascarados em nome de religiões ou uma tradição familiar ou moral. Tudo que exclui não é amor. E Deus, em sua expressão máxima, é amor.
As políticas de aparição, o direito à livre expressão, à ocupação dos espaços públicos, são exercícios de cidadania. Qualquer impedimento é a negação de cidadania, de participação das pessoas na construção de uma cidade plural.
Leia também: DPU recebe denúncias de violência política de gênero nas eleições
Eixo 2: Economia
Vcs sabem quanto investimento gira na economia da cidade quando realizamos eventos como uma Parada LGBTQIPN+ numa cidade?
Em São Paulo, onde acontece a maior Parada LGBTQIAPN+ do mundo, os números são estrondosos. Gera uma movimentação financeira em torno de 800 milhões na cidade.
Investimentos da população LGBTQIPAN+, como nosso rico pink Money, injetados no comércio em geral, rede de hotelaria, bares, restaurantes, casas noturnas, viações, cias aéreas, comercio de ambulantes…Se não pelos nossos direitos e nossa cidadania, respeitem nosso dinheiro investido na cidade.
Londrina tem potencial para receber e ampliar esses investimentos, incrementando a economia rosa da cidade. É dinheiro, é investimento, não há porque negar que a economia prospere na cidade. Ou vão querer que a gente vá investir nossos recursos em outras cidades? Vão perder esses recursos. É no mínimo uma burrice.
Eixo 3: Estética inclusiva
Londrina que já foi palco de cenas progressistas, berço de artistas renomados e transgressores, com festivas de arte valorados internacionalmente, que levam o nome da cidade para fora e fazem daqui uma referência, não pode afundar num est-ética tacanha e purista de negação de diversidades e pluralidades. A cidade tem que prezar pela inclusão e ampliação de novas formas do viver, acompanhando as transformações todas trazidas pelo tempo.
Que seja uma cidade onde corpes diz-sonantes possam viver plenamente, numa composição de arte que instaure modos de existência diversos e plurais! Para além dos terrorismos sexistas, feminicistas, classistas, machistas, racistas, LGBTfóbicos, transfóbicos, coloniais.
Nós LGBTQIPAN+ declaramos que continuaremos a resistir, com produções de vida múltiplas e diversas! Ali, onde as normatizações só enxergam fragilidades, em seu sentido pejorativo, revelaremos que nossas fragilidades são também nossas potências! Viveremos corpos manifesto, corpos em movimento, decoloniais, deslocadores, subversivos e desobedientes.

Aproveito para convidá-les todes para o lançamento do livro Fabulações Queer: crônicas para um mundo possível, de minha autoria, pela Editora Patuá, que cocorrerá dia 1/11, às 19h, no Sesc Cadeião Cultural da cidade (Rua Sergipe, no. 52). O evento integra o encerramento do 3º. OCCA e será aberto ao público, com entrada franca.
Para este dia teremos, além da noite de autógrafos, um Sarau Cuir, com a presença dos artistas:
Aguinaldo Moreira de Souza
Alejandra Cedeño
Bruno Azzani
Danilo Lagoeiro
Flávia Carvalhaes
Herbert Proença
Juuara Armond
Lia Salvany Felinto
Lua Lamberti
Pedro José
Thaís Dabronzo
Úrsula Boreal
*Régis Moreira, Comunicólogo Social e Gerontólogo, doutor pela ECA (USP) em Ciências da Comunicação, docente do Depto de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde atua como pesquisador na área de comunicação, envelhecimento e gênero. Pesquisador do Observatório Nacional de Políticas Públicas e Educação em Saúde.



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