Por meio dos livros, espaço criado dentro de um projeto social na Zona Norte de Londrina busca valorizar a cultura e a história afro-brasileiras

Cecília França

Sabe aqueles lugares em que você entra e não tem vontade de ir embora? Assim é a “Biblioteca Preta”, um pequeno espaço dentro do Projeto Social Aquiles Stenghel, na Zona Norte de Londrina, criado pelo rapper, produtor cultural e futuro bibliotecário Leandro Palmerah.

“Essa aqui é uma extensão da biblioteca montada no Canto do Marl (Movimento dos Artistas de Rua de Londrina). E faz parte da rede de bibliotecas comunitárias”, explica Palmerah. Com esta já são cinco as bibliotecas mantidas por ele em diversas regiões da cidade, incluindo uma dentro do Centro de Socioeducação 2 (Cense 2). Como diferencial, esta vai ter acervo dedicado à temática afro-brasileira.

Nas estantes da Biblioteca Preta, livros de literatura brasileira, estrangeira, de história, de autores locais. Palmerah se incomoda com a dificuldade em conseguir títulos de autores negros e com o fato de a história ser contada apenas pelos brancos – o que, para ele, reflete a falta de acesso dos negros à educação.

“É muito difícil você encontrar material com essa temática, assim como também é difícil você encontrar bibliotecários e professores negros. É importante disponibilizar esse material para os jovens para que eles tenham acesso a essa leitura, tanto a autores negros quanto a livros que contam a história da África, a valorização do povo, e não conte só o período da escravidão; que mostra que o negro fez movimentar a economia, que construiu uma história, uma cultura, religião”, explica.

Em cada livro uma etiqueta na lateral nos lembra que não estamos em um “depósito de livros”, mas em um local de conhecimento, onde tudo faz sentido para o profissional responsável, o bibliotecário.

Assista abaixo à entrevista com Palmerah em vídeo sobre a importância das bibliotecas:

Palmerah tem mais de 1.300 livros catalogados, dentre todas as unidades comunitárias que mantém. O acervo é composto por doações e livros próprios. Ele conta que a ideia de disponibilizar livros para a comunidade nasceu logo que entrou no curso de Biblioteconomia, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), acesso que ele não teve durante a infância e a juventude.

“Eu vim de uma família em que eu fui o primeiro a me inserir dentro de uma universidade, então eu não tive acesso. Eu fui ler um livro pela primeira vez com 30 anos”, conta ele. Logo de cara Palmerah percebeu que gostaria do curso e as dificuldades em acompanhar o primeiro ano não o fizeram desistir. Após reprovar no primeiro ano, voltou com todo o gás e já começou a colocar em prática o projetos das bibliotecas comunitárias.

“Tem um histórico por trás que dá esse ânimo. Eu conheci o pessoal da orquestra de Paraisópolis, uma galera que trabalha com bibliotecas em Parelheiros, conheci o Observatório de Favela na Maré, então eu fui conhecendo essa galera e vi que em Londrina também tem espaços que dá para a gente reorganizar e fazer acontecer de verdade”, acredita.

A capacidade de transformar um pequeno ambiente em algo acolhedor impressiona. Cada elemento da biblioteca carrega uma história, da foto de uma criança negra na parede (de autoria do fotógrafo Gustavo Carneiro) ao grafitti de uma mulher negra, criado pelo artista local Tifum, passando por duas telas da artista e psicóloga Beth Camargo, falecida em 2018. As cores fortes, a música tocada em uma vitrola e a decoração transformam a biblioteca em um local de pertencimento.

Para quem quiser conhecer, a Biblioteca Preta fica na Rua Vergilio Perin, na sede do Projeto Social Aquiles Stenghel.

O projeto

Em um prédio onde, no passado, existiu um posto de saúde, funciona hoje o projeto social Aquiles Stenghel. Idealizado e mantido por Nilza Girotto, em parceria com o Rotary Clube e a CUFA (Central Única das Favelas), o projeto oferece cursos profissionalizantes na área da beleza, serviços de cabeleireiro a preços acessíveis, aulas de taekwondo, entre outras atividades.

A inauguração aconteceu pouco antes da pandemia e o projeto foi fortemente afetado pela paralisação das atividades econômicas. Mas as despesas continuaram, como água, luz e limpeza. Por isso, o salão continua funcionando de forma cooperada.

Nilza trabalha como cabeleireira há mais de três décadas e já deu cursos em diversas regiões vulneráveis de Londrina, levando oportunidade de ressocialização para vários jovens. “Você não está fazendo favor nem caridade, você passa a dar valor ao ser humano”, diz ela.

No local também funciona um pequeno brechó, que ajuda na renda para manutenção do espaço. Doações de roupas e calçados são bem-vindas.

Nilza Girotto em seu salão cooperado. Fotos: Cecília França

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