Já contei aqui na coluna sobre como demorei para me entender como Pessoa Com Deficiência (PCD) e aceitar essa minha condição e os desafios que ela me impõe. 

Para quem não lembra a história, precisamente tudo começou a mudar alguns anos, depois que ouvi de uma professora na faculdade, também PCD, sobre a oportunidade de fazer a diferença na vida das pessoas que eu deixava escapar toda vez que tentava fugir da aceitação de minhas limitações. 

Esse pequeno diálogo demorou para fazer a diferença para mim, mas, quando fez, tornei-me outra pessoa. Hoje, além de aceitar muito bem a minha deficiência motora, faço questão de levantar a bandeira das causas voltadas às pessoas com deficiência, falo abertamente sobre o tema, participo de eventos, ações no ambiente de trabalho e no que mais eu sentir que posso fazer a diferença. 

A aceitação fez muita diferença na minha vida. Há alguns dias tive a oportunidade de conversar com outros PCDs, em condição muito parecida comigo. Têm carreiras profissionais em franco desenvolvimento, são independentes e cheios de sonhos e planos para o futuro.  Apesar disso, no entanto, conversa vai, conversa vem, chegamos em um denominador comum, poucos de nós percebe pessoas com algum tipo de deficiência ocupando cargos de liderança ou outras posições na sociedade para que possam servir de inspiração. Os casos são poucos, quando muito atletas ou algo assim.

Hoje, com um envolvimento bem maior nas causas dos PCDs, até passei a notar mais aqueles que alcançam grandes feitos e têm ou afirmam ter alguma deficiência, algo incomum nos meus tempos de escola. 

Depois de ter essa conversa com esse grupo de PCDs, comecei a refletir bastante sobre a minha trajetória até aqui. Não me lembro de algum professor, exceto a profissional que quis me recrutar na universidade para a ação específica do grupo de alunos com deficiência. Não me lembro de alguém com alguma deficiência que eu pudesse olhar e dizer “eu quero ser essa pessoa quando crescer”. 

Não sei se isso aconteceu porque eu não prestava muita atenção tentando esconder minha deficiência ou porque algum professor ou quem quer que seja também tentava esconder a sua. 

Porém, quando olho criticamente para o meu passado, penso que a demora para me aceitar foi penosa e me privou de muita coisa legal que veio depois, como a chance de fazer essa coluna, por exemplo. Também sei que a ausência de uma inspiração teve lá seu impacto. 

Tanto é que refletindo sobre o tema, acabei por recordar de uma vez que recebemos a visita de uma pessoa com nanismo e que também não tinha os braços, no tempo da escola. Ele pintava e tocava violão com os pés, tinha conseguido grandes feitos artísticos. Quando me deparei com aquele homem, pensando agora, os horizontes se abriram para mim na infância. 

Acredito que me encorajou a fazer música, a escrever. Eu precisaria de um exercício de volta ao passado para saber o quanto daquele episódio perdido nas minhas memórias até a semana passada fez de mim quem eu sou hoje, mas é certo que ver outras pessoas com deficiência alcançando coisas muda a vida, sobretudo, de crianças com deficiência. Mais que inspiração é sinônimo de esperança. 

Sei que me alonguei demais hoje, mas ainda há mais uma coisa que preciso dizer. Agora é lei de âmbito nacional o uso opcional do cordão de girassóis, PL 5.486/2020, para indicar uma deficiência não aparente em alguém. 

Se você tem uma deficiência não aparente e a empresa em que trabalha adotar o cordão para o crachá, use! Se você, mesmo para atividades comuns, puder fazer uso do cordão, use! Nunca se sabe quando a gente pode ser inspiração para alguém. 

*Vinícius Fonseca é pessoa com deficiência, jornalista, tecnólogo em gestão de Recursos Humanos com especialização em assessoria em Comunicação e M.B.A. em Gestão de pessoas. Também é escritor de poesias e contos, além de um eterno curioso

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